No apartamento da artista plástica Iná Gonçalves tudo pode ser aproveitado. Desde de algo que era da avó, até algo que estava numa caçamba de entulho. Porém, a ajuda profissional pode organizar tudo de forma harmoniosa. E veja que aconchego incrível pode ser alcançado.
Na sala, a única peça "industrializada" é o sofá. As almofadas são de crochê, mesas, baús e banquinho são reaproveitados, o tapete é feito por artesãos itajaíenses, e a poltrona foi forrada com um tecido lindo de brechó. A coleção de quadros conta com peças feitas pela mão da moradora e fotos de família.
Na sacada integrada foi colocado deck para nivelar o piso. Vasos ganharam vida nova, a cadeira de design brasileiro recebeu forração nova, e ganhou uma banqueta Luis XV. A grade na parede foi "salva" de uma demolição na família, e recebeu guirlandas e eras desidratadas feitas pela moradora.
A cortina de gase de linho deixa a luz entrar filtrada.
Na cristaleira antiga de família com vidros em ArtDeco a moradora coleciona cerâmicas e lindas porcelanas, algumas com décadas de existencia.
A mesa antiga recebeu pintura em laca branca e cada cadeira com uma história diferente recebeu almofada igual para criar homogeneidade. E para chegar até aqui o lustre de porcelana conta com uma história no mínimo inusitada. Confira no fim da Matéria.
Ainda, o aparador lateral é feito com pés de máquina de costura antigas, e o rack foi feito com uma mesa de madeira onde muitos pães foram sovados, temperos cortados e tantas outras delícias sobre ela preparadas. Tendo uma visão geral do apartamento, podemos ver que é impossível descrever com detalhes cada peça, são tantos mimos, tantas histórias, que só passeando sem pressa no apartamento para podermos ver cada detalhe.
Agora leia a divertida crônica que envolveu a compra e a vinda deste lustre escrita pela própria artista Iná Gonçalves.
SINGULARIDADES
Dos espaços delimitados
por paredes, vazios e impessoais, o lugar onde moramos cria vida e identidade, revelando
e retratando nossa identidade.
Quando escolhidos de
modo pessoal, os móveis e objetos contam a história dos moradores, resguardando
suas memórias.
Melhor se, esse lugar
sagrado chamado lar, fosse, aos poucos, se compondo, à medida que a ambientação
é feita por peças especiais, doadas, herdadas ou encontradas em lugares por
onde transitamos.
Numa das minhas
andanças, encontrei o lustre que faltava para a sala de jantar. Entrei no
antiquário e lá estava ele, tímido e empoeirado, empobrecido pela falta de
muitas partes.
Olhos fixos na parte central
de porcelana floral, nos tons pastel, contornados de dourado. Foi “amor a primeira vista”!
Dado o encontro, veio a empreitada de situações
a serem vencidas: Procurar um restaurador que realizasse o trabalho de sexta
para segunda, acertar valores e transporte.
Dia e hora marcados, lá
estava ele imponente de novo, brilhando e iluminando o ambiente e as minhas
emoções. Fiquei pensando em como levá-lo para casa.
Combinado que seria
desmembrado apenas em duas partes - central e lampiões, foi embalado com o
esmero que merecem as louças e as peças de cristal antigas.
Hora do primeiro vôo,
passagem pelo detector. Não passou na esteira, muito alto. Explicações.
Chama o
responsável, sacode, pressiona, corta o papel bolha. Eu em pânico.
- Por favor, moço, não
detone a embalagem, é apenas um lustre.
Todos passam, e eu fico
de pé e “ele” inerte no balcão. Finalmente me liberam.
Minha poltrona é à
janela. Ajeito os lampiões sobre o banco e tento colocar a outra parte no
espaço das bagagens de mão. Não entra de forma alguma.
Sentada, abraço minha
preciosidade. O assento do meio está vago, no outro, há um passageiro.
Preparativos para a decolagem.
Entra a comissária de bordo e pergunta:
- O senhor está junto
com ela?
Pede que ele ocupe
outra poltrona e se dirige a mim:
- Coloque o volume no
lugar da bagagem de mão!
Minha adrenalina
aumenta. Qualquer descuido poderia ser fatal. Levanto e obedeço, sabendo da
impossibilidade. Outra ordem:
- A senhora terá que
levá-lo embaixo do banco.
Vôo lotado e atrasado,
todos os olhares se voltam para mim num silêncio total.
Em uma atividade
contorcionista, vou tentando ajeitar os quatro braços do lustre como posso.
Todas as manobras foram inúteis. Já de joelhos, não em pose de oração, mas de
humilhação, continuo tentando. A “sargentona”
resolve me dar algumas instruções e, sem desistir, encaixo finalmente a minha
jóia.
Como se não bastasse, e
penso, com toda razão, ela diz em alto e bom som:
-Da próxima vez, a
senhora despacha pelo nosso serviço de bordo!
Sem dúvida, ir à loja e
escolher um lustre não daria tanto incômodo, porém, não teria o mesmo sabor.
Iná Gonçalves,
em 29 de setembro de 2013.
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